O que os dados de ganho de cobertura arbórea podem nos dizer sobre restauração? Perspectivas do Brasil

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Credit: Yantra Imagens

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No ano passado, o Global Forest Watch (GFW), em parceria com o Land & Carbon Lab, divulgou novos dados de ganho de cobertura arbórea da Universidade de Maryland, que mostram onde e quanto a terra ganhou cobertura arbórea globalmente entre 2000 e 2020. Este conjunto de dados forneceu informações muito necessárias para complementar os dados sobre a perda de cobertura arbórea, revelando uma imagem mais completa da dinâmica da mudança florestal. 

Acrescentamos agora uma nova dimensão aos dados de ganho, mostrando não só a mudança cumulativa entre 2000 e 2020, mas também a quantidade de cobertura arbórea ganha nos períodos de intervalos de cinco anos – 2000-2005, 2005-2010, 2010-2015 e 2015-2020. Os dados desses intervalos fornecem informações valiosas sobre a trajetória global e o ritmo do ganho, o que nos pode ajudar a perceber melhor até que ponto a cobertura arbórea está retornando. Isto pode incluir o ganho resultante da restauração de paisagens e florestas, que normalmente envolve uma variedade de intervenções estratégicas que levam ao aumento da cobertura arbórea em toda a paisagem. 

Embora tenhamos agora uma melhor imagem global do ganho de cobertura arbórea, os dados captam uma grande variedade de formas de cobertura arbórea, desde a monocultura em escala industrial de eucalipto e dendê – que não são tipicamente consideradas formas de restauração – até à regeneração de florestas naturais. Isso significa que, embora os dados incluam o ganho resultante da restauração de paisagens florestais, é difícil identificar ou medir o sucesso dos investimentos e intervenções de restauração usando apenas os dados de ganho de cobertura arbórea. 

Alguns dados contextuais, como as plantações mapeadas da Spatial Database of Planted Trees, podem fornecer informações adicionais que podem ajudar a distinguir o ganho em plantações de formas mais naturais de ganho de cobertura arbórea. No entanto, a informação local – como a informação geográfica sobre onde e que tipo de atividades de restauro estão acontecendo – é a mais útil para interpretar o que está realmente ocorrendo em diferentes locais, e se essas intervenções contam para atingir os objetivos globais

Neste artigo, exploramos alguns desses exemplos no Brasil, onde vemos áreas de ganho, mas que representam cenários muito diferentes dependendo do contexto no campo. 

Dados de ganho de cobertura arbórea podem captar sucessos de restauração

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra apoia a regeneração florestal no Estado do Pará

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um movimento social nacional no Brasil que se concentra na reforma agrária, buscando alcançar um modo de vida autossustentável para os pobres rurais no país. É a maior rede rural de pequenos agricultores da América Latina, apoiando mais de 450.000 famílias. 

Em 2004, o MST começou a ocupar o assentamento Abril Vermelho, no estado do Pará, uma área de 6.668 hectares que havia sido usada anteriormente para a monocultura de dendê e que pertencia a uma empresa de óleo de palma falida. A terra foi então destinada à reforma agrária e tornou-se um assentamento rural. Hoje, Abril Vermelho tem mais de 300 famílias dedicadas à produção de alimentos com práticas sustentáveis.

Quando o MST chegou, a terra estava degradada, com uma população desequilibrada de insetos, solo de má qualidade e nascentes de água deterioradas. O MST começou por plantar pequenas culturas de feijão, milho e mandioca. Com o passar dos anos, eles experimentaram várias práticas de manejo para melhorar a produtividade do solo, lidar com as pragas e melhorar a qualidade e a quantidade de água. As famílias assentadas praticaram a agroecologia, uma abordagem focada na recuperação da vegetação nativa através da eliminação das áreas de produção de dendê, permitindo que a floresta se regenerasse.

Atualmente, a principal prática no assentamento é a agrofloresta, em que são introduzidas culturas alimentares nas florestas em regeneração, ou são plantadas espécies de árvores nativas entre as culturas alimentares. 

Os dados de ganho de cobertura arbórea captam os esforços bem-sucedidos de restauração que resultaram da regeneração da floresta e do plantio de espécies arbóreas nativas. Os dados mostram que a paisagem de Abril Vermelho ganhou um total de 1.981 hectares entre 2000 e 2020, com a grande maioria (89%) da nova cobertura arbórea ganha entre 2000 e 2010, correspondendo à época em que o MST começou a ocupar e assentar a área. 

Os pixels azuis mostram o ganho de cobertura arbórea na área do assentamento Abril Vermelho.

A restauração florestal e a regeneração natural assistida no assentamento passaram a fazer parte do plano do MST “Plantar Árvores – Produzir Alimentos Saudáveis”, lançado em 2020, que visa plantar 100 milhões de árvores em todo o país. Além de ser uma contribuição significativa para suas práticas agroecológicas, essa iniciativa contribui fortemente para as metas brasileiras de restauração e para as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Futuras atualizações dos dados de ganho, combinadas com informações locais, ajudarão a visualizar e medir o impacto dessa iniciativa.

Restauração de corredores ecológicos dá esperança à população de mico-leão-preto em São Paulo 

Na região do Pontal do Paranapanema, localizada no canto oeste do estado de São Paulo, entre os rios Paraná e Paranapanema, um projeto para salvar o mico-leão-preto, ameaçado de extinção, evoluiu para um projeto de restauração em escala de paisagem que restaurou com sucesso milhares de hectares de cobertura florestal para apoiar o habitat dos micos-leões. Outrora considerada extinta, a população de micos-leões-pretos recuperou significativamente, em grande parte devido  a uma restauração feita na escala da paisagem incluindo as únicas florestas em que sabemos que o mico-leão-preto habita . 

Uma combinação de fatores e a colaboração entre vários setores conduziram ao êxito da recuperação da região. Estes fatores incluíram cientistas e pesquisadores  que trabalharam junto aos agricultores locais sobre conservação e agroflorestas, acordos com o governo para incluir a área de conservação nos títulos de propriedade das comunidades agrícolas recentemente instaladas e a coordenação entre agricultores locais e pesquisadores para reservar determinadas áreas para criar corredores florestais que permitam aos micos e outros animais selvagens circular livremente entre as florestas maiores do Parque Estadual do Morro do Diabo e a Estação Ecológica do Mico Leão Preto. O Código Florestal brasileiro, que obriga os proprietários de terras a restaurar áreas ribeirinhas, criou um incentivo para o reflorestamento desses corredores, e o financiamento para as atividades de restauração foi garantido por dezenas de organizações através de mercados voluntários de carbono. 

Os dados de ganho de cobertura arbórea mostram os resultados desses esforços de recuperação florestal. A paisagem do Pontal do Paranapanema ganhou um total de 2.476 hectares de cobertura arbórea entre 2000 e 2020, com quase três quartos desse ganho ocorrendo depois de 2010, o que reflete os esforços dedicados da comunidade para reflorestar os corredores ecológicos que começaram em 2012. 

Os dados de ganho de cobertura florestal tamnbém mostram resultados de restauração nos corredores ecológicos que conectam o Parque Estadual Morro do Diabo com a Estação Ecológica Mico Leão Preto.

Os pixels azuis mostram o ganho de cobertura arbórea nos corredores florestais entre as florestas do Parque Estadual do Morro do Diabo, a Estação Ecológica do Mico Leão Preto, outros fragmentos florestais e o Rio Paranapanema.

Nem todo ganho de cobertura arbórea é restauração

Florestas de produção dominam a paisagem no sul da Bahia

O sul da Bahia, no leste do Brasil, é conhecido por seus diversos ecossistemas e práticas agrícolas. Embora uma das principais atividades agrícolas, o cultivo de cacau, utilize sistemas agroflorestais, a região também tem sido um importante centro de cultivo de eucalipto nas últimas décadas. O eucalipto é uma espécie não nativa que é utilizada na produção de pasta e papel, bem como em várias outras utilizações, como a energia. 

Historicamente, as empresas foram atraídas para a região devido à disponibilidade de grandes extensões de terra a baixo custo, ideais para práticas mecanizadas. As condições favoráveis do clima e do solo favoreceram o rápido crescimento de espécies arbóreas como o eucalipto e o pinheiro. Além disso, políticas governamentais, incluindo incentivos fiscais e investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estimularam ainda mais a expansão das plantações de árvores. Muitas dessas plantações foram estabelecidas em terras anteriormente degradadas, implementando sistemas de zoneamento ecológico para garantir a proteção dos ecossistemas, promovendo a restauração ecológica e as espécies nativas em uma “abordagem de mosaico” e adotando práticas florestais sustentáveis, como a exploração de impacto reduzido e a manutenção de zonas de amortecimento em torno de corpos d’água para evitar a erosão do solo e proteger a qualidade da água. 

Isso atraiu grandes empresas para o cultivo e a colheita de eucalipto, resultando em alta produção de eucalipto. Devido à expansão do eucalipto e das espécies nativas, a região sul da Bahia ganhou 220.100 hectares de cobertura arbórea entre 2000 e 2020, o que significa um aumento de mais de 5% na cobertura arbórea. 

No estado da Bahia, o ganho de cobertura arbórea é generalizado, mas representa uma grande rede de plantações de eucalipto e monocultura, que normalmente não é considerada restauração.

Vista detalhada de plantações de eucalipto em Nova Viçosa, Bahia, Brasil.

Apesar do aumento da cobertura arbórea captado pelos dados, estas plantações não são tipicamente consideradas como restauração. Isso se deve ao fato de as plantações, especialmente as que envolvem espécies não nativas, não restaurarem a biodiversidade original e as funções ecológicas dos ecossistemas nativos. Embora possam contribuir para o sequestro de carbono e outros serviços ecossistêmicos, não são consideradas uma verdadeira restauração ecológica. 

No caso do sul da Bahia, a consolidação da propriedade da terra pelas empresas que cultivam eucalipto causou conflitos com organizações e comunidades locais devido ao impacto na paisagem, entre outras questões. Em 2005,uma iniciativa levou à criação do Diálogo Florestal e de fóruns regionais para promover esforços colaborativos para minimizar os impactos ambientais das plantações de eucalipto. Agora, um programa liderado pelo Diálogo Florestal designou vários locais como áreas de conservação, e as empresas implementam programas de restauração e iniciativas para formar corredores ecológicos. 

Dados futuros revelarão se a região continua ganhando cobertura arbórea. No entanto, serão necessárias informações mais localizadas para determinar quanto desse ganho pode ser atribuído aos esforços de restauração liderados por essas empresas e quanto se deve às plantações. Para começar, sabemos que há 19.300 hectares de restauração relatados no estado da Bahia no Observatório da Restauração e Reflorestamento, embora se saiba que a quantidade de restauração relatada é sub-representada. 

O que é que isto significa para a utilização dos dados de ganho de cobertura arbórea?

Os novos dados sobre o aumento da cobertura arbórea representam um avanço significativo na compreensão da dinâmica das alterações florestais a partir de satélitese, como os melhores dados globais disponíveis, expandem significativamente a escala a que podemos ver essas alterações. A possibilidade de ver este ganho em intervalos de cinco anos, em vez de apenas como uma soma cumulativa de 20 anos, fornece detalhes importantes sobre o momento em que a nova cobertura arbórea foi estabelecida e sua trajetória, que são importantes para monitorizar os esforços e acompanhar os objetivos de restauração ao longo do tempo. Além disso, quando combinado com dados sobre a perda de cobertura arbórea, fornece a peça que faltava para calcular a alteração líquida da cobertura arbórea. 

No entanto, existem limitações na forma como estes dados podem ser utilizados. Os satélites podem captar mais facilmente árvores mais altas com pelo menos 10% de cobertura de copa – o que significa que o crescimento de novas árvores raramente é contabilizado. Além disso, embora os novos períodos de cinco anos forneçam uma imagem mais completa dos ganhos, existe ainda um defasamento entre o início do crescimento das árvores e a sua detecção. 

O Desafio de Bonn, a Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas e outras iniciativas globais importantes ajudaram os governos nacionais e outras comunidades a definir prioridades e a canalizar investimentos para a restauração, mas os dados globais sobre o aumento da cobertura arbórea ou outros tipos de alteração da cobertura do solo não podem, por si só, medir o seu sucesso. Os planos detalhados de restauração da paisagem, bem como a informação georreferenciada sobre projetos e investimentos locais, continuam a ser importantes para compreender o âmbito e a escala do sucesso da restauração. 

Por exemplo, a iniciativa TerraFund for AFR100, que canaliza fundos para projetos de restauração na África, desenvolveu um Quadro de Monitorização, Comunicação e Verificação que delineia um conjunto claro de indicadores e normas sobre como medir e comunicar informações sobre o progresso do restauro, integrando fontes de dados baseadas no terreno e em satélites. 

Outros avanços nos dados de ganho de cobertura arbórea continuarão a melhorar a sua utilidade. Por exemplo, a pesquisa dedicada a diferenciar o ganho natural do  industrial ou baseado em plantações foi aplicada com sucesso a uma versão anterior dos dados, com planos para em breve expandir essa pesquisa para os dados de ganho de 20 anos. Mas, para além de melhorar os dados globais, comectar  a informação local sobre as ações aos dados globais sobre a mudança continuará a ser fundamental para monitorar a restauração em escala e ter a certeza de que estamos atingindo os nossos objetivos de restaurar paisagens degradadas. 

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